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23 fevereiro 2018

A Linha do Corgo

Um dia, Vila Real acordou sem comboio. Não queríamos acreditar, mas já estava. Tudo preparado em silêncio e feito de surpresa, como os assaltos, para tornar a coisa irreversível. Em boa verdade, a morte da Linha do Corgo vinha sendo anunciada há décadas. Nos anos 80, o comboio ainda tinha muita serventia e viajava-se nele na alegre, ruidosa e, não raro, mais boçal do que jovial, companhia de muitos estudantes e militares. Depois disso, foi uma queda bastante visível. Primeiro, foi muito diminuído em número de carruagens, depois passou a uma composição mínima e, nos últimos anos de vida, não sei se chegou a ser uma só carruagem, espécie de autocarro pequeno sobre carris. Era evidente que não tinha utentes que o sustentassem, era previsível que acabassem com ele.

Poder-se-ia discutir a sua utilidade real, a sua viabilidade, mas a linha foi encerrada sem aviso e, antes que houvesse tempo de organizar protestos e apelos, os carris e as travessas foram arrancados. Mais tarde aplanaram-lhe toscamente o piso, o que permite a sua actual utilização por ciclistas e caminheiros. Lá vem um ano ou outro em que silvas e giestas tomam conta dela. Os edifícios dos apeadeiros e das estações entraram em estado de morte lenta, aqui e ali apressada por vândalos que os esventram, cobrem de enormes rabiscos de gosto atroz, atulham de toda a espécie de dejectos que a natureza e a estupidez da humana espécie são capazes de produzir. Apesar destes tratos de polé, do desprezo de muitos, da indiferença da maioria, do abuso de alguns moradores das aldeias por onde passa, a Linha do Corgo mantém-se como um dos mais belos trilhos da região. Percorrê-la é andar ladeado de vinhedos, de taludes recobertos de mantos de várias espécies de líquenes, é poder rolar os olhos por encostas a pique e vales profundos, pela luzidia e rumorosa serpente do rio ao fundo, por horizontes de montes e montes e montes.

Foi lá que encontrei quase todos os elementos desta composição e foi sobre uma das lajes de xisto resultantes de uma derrocada que a fiz.

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