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13 fevereiro 2018

A cabra

— Então, como vai a vida?

— Bem, obrigada, e a sua?

— Cá ando, co’ elas.

— Quantas tem?

— Agora, poucas, mas já tive tempos de mais de 50.

Pareceu-me que esta abertura de diálogo tão natural com um pastor que me apareceu no cimo do Alvão, onde me encontrava a fazer esta composição, haveria de chegar à pergunta dele sobre o que é que eu estava a fazer. Antecipei-me e adiantei que estava ali a fazer uns arranjos que depois fotografava... Enquanto isto dizia em prosódia suficientemente lenta para me dar tempo de preparar pormenores convincentes da sanidade mental da minha actividade, ele atalhou:

— Ora, está aí na sua vida, a fazer o que lhe apetece, não tenho nada co’ isso.

Ora, aí está um exemplo para muita curioseira gentinha!

Acabada a disposição das folhas rendadas por um fungo com as Laccarias, breves e delicados cogumelos abundantes (parece que comestíveis, mas a tal não me atrevo), feita a fotografia que a registou, afastei-me um pouco à procura doutro cenário para a composição seguinte, bem fornecida de materiais frescos que eu estava. A conversa com o pastor caminhava já pela morte recente da mãe dele, pelo preço do quilo do cabrito para a Páscoa, pelos seus 17 anos de guardador de rebanhos, pelo sol bonito que fazia reluzir a fonte próxima, quando vi que uma cabra comia esta composição, com aquele apetite que dá gosto ver nos bichos. Ele, embaraçado, enxotou-a e atirou-lhe alguns impropérios; eu pensei na utilidade de cogumelos tão pequenos e banais.

Finda a minha função, despedimo-nos com uma exortação dele:

— Venha mais vezes fazer essas coisas bonitas, que eu tomo mais cuidado co’ as cabras.

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