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31 março 2018

Fungos com labirintos

Cá estão eles, os anunciados fungos achados num dos recantos mais tenebrosos que a Madre Natura me mostrou até hoje.

Há muito que tinha reparado numa mata na berma da Linha do Corgo, mas o aspecto tenebroso dissuadia-me a penetrá-la. Um dia prometi a mim mesma que seria dessa vez. E foi. Logo que me adentrei no terreno, não podia imaginar a selva que me esperava: troncos partidos a meio, na horizontal, na vertical, obliquamente; cascas gigantescas de eucaliptos mastodônticos, tombadas, enleadas umas nas outras, silvas grossas com espinhos como setas, chão inclinadíssimo, coberto de ramos molhados, escorregadios como gelo, de pedregulhos, mas também de verdejantes musgos ramosos. Uma escuridão de breu. Enfim, ocorreu-me que a qualquer momento, estilhaçando aquele silêncio tão solene quanto perturbador, poderia ouvir a voz do mostrengo:

«Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»

Confesso que corrigi o temor súbito com um sorriso trazido pela resposta que imaginei para tão verosímil voz em tal cenário:

«E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo;
Manda a vontade, que me ata ao leme»
De te colher todo o fungo!

Foi então que, ao longe, avistei um tronco com mais de 1 metro de altura, decorado com fungos em semi-lua maiores do que os habituais Trametes versicolores. Subi até ele, escorreguei duas vezes (ainda me faltava uma para imitar o homem do poema a erguer e reprender as mãos ao leme...), palpei-os, achei-os demasiado duros para serem Trametes. Estava no chão um virado do avesso e... — maravilhosa visão! — as “lâminas” exibiam um intrincado dédalo, como certos corais.

Apanhei metade, regressei com o ar de quem acaba de ganhar a lotaria ou de ver o Espírito Santo e, desde então, quase todos os dias os integro em composições, portanto, digam-lhe um longo olá que os hão-de voltar a ver várias vezes.

Falta-me dizer que, depois de bastante pesquisa, concluí que se tratará da espécie Daedolopsis confragosa, embora haja especialistas que apontem a possibilidade de ser a variedade quercina. Não posso esclarecer a hesitação, porque não consegui ver a que tipo de árvore pertencia o tronco onde nasceram, porque estava demasiado decomposto.

30 março 2018

Estrela-do-mar em terra

Nem sempre ando nos montes com esta estrela-do-mar encontrada e oferecida pela amiga Lina Sampaio, mas nunca me arrependi de a levar. Compõe bastante a figura dos cogumelos, grandes ou pequenos, como os que usei aqui.

29 março 2018

Tempestades

As últimas tempestades foram devastadoras para a floresta. Partiram árvores numa quantidade inédita na minha vida e na de gente nascida muito antes de mim. O Alvão tem encostas que parecem ter sido sujeitas à fúria de uma hoste de cíclopes armados de catanas exterminadoras; o Marão tem bosques de bétulas quebradas, arrancadas, esgalhadas, esquartejadas. O rasto de destruição deixa adivinhar a violência do vento, dá uma ideia do som terrífico que terá ouvido quem estava por perto. É tal o caos da vegetação que, mais do que desoladoras, as paisagens são/estão dantescas.

Depois da tempestade, não se pode dizer que tenha vindo a bonança, mas era copiosa a quantidade de ramos partidos e de líquenes soltos. Na verdade, o chão estava coberto por estes e outros destroços. Usei alguns nesta composição e saiu quase uma meia rosa-dos-ventos. Pudesse ela amansar o zéfiro que neste momento uiva pela cidade, antes que ele continue a guerra dos seus antecessores recentes...

28 março 2018

Pequenos e invisíveis

Numa página do Facebook onde muito se aprende sobre fungos, líquenes, musgos e fetos, alguém escreveu que via a acção dos fungos por todo o lado. Nesta composição eles aparecem sob a forma das pequeníssimas Laccarias e no efeito filigramático das folhas quase transparentes, ambas presenças bastante comuns, mas que a esmagadora maioria das pessoas não vê, apenas pisa.

27 março 2018

A esteva

Esta composição foi feita num dia daqueles dias de fim de Janeiro em que já se sentia um cheirinho a Primavera, no sol brilhante e nestas flores miúdas que vejo durante todo o ano.

Os terminais em estrela são invólucros de sementes de esteva, planta que muito vejo no barrocal algarvio, no Douro e no Azibo.

25 março 2018

Líquenes, cogumelos, corais

Os dois cogumelos maiores desta composição e um outro mais pequeno, facilmente identificável pela silhueta, serão da espécie Pleurotus ostreatus e, apesar de não ter sido eu a felizarda que os encontrou, vê-los repontantes lá no alto de uma árvore morta, em indisfarçável exibição das suas admiráveis formas de leque, provocou-me uma emoção memorável. Eram vários, mas critérios de apanha sustentável de cogumelos levaram-me a colher apenas estes. Usei-os em várias composições até ficarem fora de validade fotográfica. Para fazer esta, procurei uma boa fraga com líquenes brancos, mas não podia imaginar que iria encontrar este líquen tão rugoso, tão coralício. Em casa googlei as características distintivas na tentativa de lhe encontrar o nome, mas nada me satisfez. Passados uns dias, numa página sobre líquenes e cogumelos, apareceu o género Lepraria e este nome lembrou-me de que a textura deste magnífico líquen se assemelhava à da terrível doença que eu vira, noutra vida, em humanos. Já perguntei a especialistas para tentar confirmar a minha suspeita, mas até ao momento ainda não obtive resposta assertiva.

E não, ainda não são estes os fungos que encontrei na semana passada e que me têm provocado sobressaltos no peito e vertigens na imaginação, mas estes já lembram os tais...

24 março 2018

Vertigem

Encontrei há menos de uma semana uns fungos tão inesperados, tão cheios de potencialidades que me causa vertigens pensar no que posso fazer com eles. Já fiz quase uma dúzia de composições e ainda não me cansaram. Aliás, amanhã hei-de voltar ao lugar onde os apanhei para trazer mais alguns, apesar de se encontrarem num local perigoso, solitário, frio, íngreme... enfim, se alguém conhecer algum síndrome do tipo do «de Stendhal», mas provocado pelo excesso de emoção fúngica, que me avise.

23 março 2018

Pedra falante

Já ouvi falar de pessoas que falam com pedras. Comigo é ao contrário: elas é que falam comigo, chamando-me, quando passo, para me exibirem os líquenes e outras partes que não são chamadas aqui para esta composição. E eu paro, observo, decido se aproveito ou não a oferta da Sr.ª Dona Pedra falante. Esta não me chamou em vão: em vez de uma composição, fiz nela umas três ou quatro, como lá para a frente se verá.

22 março 2018

Pulpo a la Feria de Verín

Aproveitando a ida à «Feria de Verín» — a que gostava de não falhar nunca, não para feirar, que hoje em dia as feiras são quase iguais por toda a parte, mas para degustar essa iguaria conhecida por toda a Espanha, o «pulpo a la galega» vendido na rua, servido numa taberna que fornece o pão e o vinho —, fiz o habitual passeio à beira-Tâmega. Os cogumelos eram menos do que esperava, mas em quantidade suficiente para uma composiçãozinha num tronco com vista de rio, coisa que se acha raramente.

Os pontinhos cor-de-rosa que se vêem na parte inferior da composição serão, segundo a pesquisa de uma debutante autodidacta na matéria, uma planta patogénica que em inglês tem o sugestivo nome «coral spot». A julgar pelos efeitos que provoca nas árvores, a beleza do nome não corresponde à beleza do efeito. Num despojo, como é o caso deste tronco, o prejuízo não será tão grande. Digo eu...

21 março 2018

A bela e o monstro

Para abrir a Primavera, vai esta composição com elementos bastante díspares. O monstro é o amontoado de orelhas-de-judas, Auricula auricularia, fungo que se encontra às mãos-cheias no Azibo e arredores. O fungo amarelo também tem o seu quê de orelhal, mas em gelatina. É a Tremella mesenterica ou manteiga-de-bruxa, nome traduzido do inglês, porque não encontro nenhum em português e porque me parece bem achado. A bela são flores de amendoeira, essa maravilha que traz o anúncio da estação mais esperada.

20 março 2018

Adeus, Inverno

Se calhar o fim do Inverno — sus, para lá! — merecia composição mais festiva, mas vai esta feita num dia em que os elementos distintivos da estação compareceram bem armados.

19 março 2018

Chroogomphus

Numa saída para apanhar cogumelos e sol, passei por uma extensa vinha abandonada no Douro. As décadas sem os cuidados humanos transformaram-na num matagal espesso e especialmente perigoso devido à estrutura em socalcos, que mantém, tornados quase invisíveis pelo emaranhado de vegetação. De repente — ó maravilhosa visão! — num lugar alto, de acesso alpíníco, vejo este par de meninos bem orgulhosos da suas virtudes fúngicas. Imediatamente me decidi a tentar escalar a íngreme distância que nos separava. Ao colhê-los, apercebi-me de que não eram novos, mas não podia imaginar que traziam brinde, as manchas de bolor (um fungo noutro fungo) que lhe deram esta maquilhagem em azul-cinza-arroxeado. Ganhei o dia! Já em casa, a Wikipédia ensinou-me que esta maravilha tem um dos nomes mais inesperados no universo de «estranhões e bizarrocos», que é o da classificação dos fungos: Chroogomphus. Ficou a faltar-me a expertise necessária para distinguir as espécies. Hesito entre o C. mediterraneus e o C. rutilus.

18 março 2018

Parabéns

Nem seria preciso referir que esta composição foi feita em pleine saison, pois tal é evidente na abundância e calibre dos exemplares que nela figuram. Tem o arranjo de um bolo e por isso escolhi-a para dedicar ao Fernando Gouveia, meu braço direito na recolha e transporte de materiais, que hoje faz anos. Que faça muitos mais e aqui a Maria Natura que lhos possa contar.

17 março 2018

Experiência torguiana

Esta é a primeira experiência satisfatória com o ramo de torga encontrado esta manhã. Já não é o primeiro que uso, como há-de ver quem segue estas andanças.

Acho que vou acabar por adoptar o sobrenome do famoso poeta transmontano... Enfim, os cogumelos já estão mirrados, o dia está frio, o céu ameaça chuva, as serras têm os capelos nevados, a luz está o que se vê na foto, a tarde é de sábado, tenho várias obrigações a cumprir, mas os meus apetites reúnem-se à volta das experiências e dali não arredam.

Achado

Em experiências com este achado no Marão...

15 março 2018

Physalis

Usei umbigos-de-vénus nesta composição para se contraporem à secura dos raminhos de Cupressus e rimarem, pelo menos em termos de cor, com as physalis em balão. E a propósito, refiro os nomes desta planta que dá este fruto de popularidade recente entre nós: fisális, alquenquenje, cereja-de-judeu, capota, lanterna-chinesa, farol-do-peru, tomatinhos, tomate-de-capuz, capuchinhos e tomate-silvestre.

14 março 2018

Clathrus ruber

Aquela forma de coral que aparece na parte esquerda da composição é o fungo da segunda fotografia. Normalmente, é mais exuberante, porque é vermelho (daí o sobrenome Clathrus ruber), mas foi achado nesta cor pálida, não sei se por ser velho. Tantos anos no monte e nunca tinha visto nenhum... Os olhos só vêem mesmo o que lhes interessa. Tencionava usá-lo inteiro na composição, mas escangalhou-se a gaiola («cage mushroom» é um dos nomes que tem em inglês). Juntamente com as orelhas-de-judas, que aqui hei-de trazer em posição de protagonista, deu esta espécie de mosca alienígena.

13 março 2018

Um mapa mico-herótico

Já aqui disse que não me preocupo com o figurativo nem com o abstracto. Dou a composição por pronta para a fotografia quando me parece que está jeitosita. Depois, por vezes, é inevitável “ver coisas” nas imagens. Nesta, se incluir a mancha musgosa, insinua-se-me o mapa de Portugal. E esta afirmação seria capaz de revoltar cartógrafos e nacionalistas, se eles a ouvissem, mas deixem lá isso, que não é caso para tanto. O caso é que aquela pernada de hera avermelhada me lembra o Tejo. Já agora, e também com a devida margem de erro, a pinha donde brotam cogumelos assinala Trás-os-Montes. Por que será?...

12 março 2018

Encontros

Tinha visto no Facebook publicidade da associação micológica de Mogadouro, a Pantorra, a anunciar o encontro do Outono de 2017. Para lá corri e eram 8 h quando cheguei àquela simpática terra, com um sol demasiado brilhante e quente para Novembro. Do encontro anunciado, vi uma tenda, com alguns produtos do agrado de micologistas e amigos da natureza em geral. A temperatura e a secura não eram nada propícias aos cogumelos e, de facto, nem sequer tinham sido suficientes para abastecer os restaurantes. Desanimadita, ainda me atrevi a procurar recantos mais húmidos, mas a tentativa foi infrutífera. O que me valeu é que levava a cesta bem carregada de belos exemplares colhidos em paragens mais micofílicas.

Nos caminhos que percorri encontrei este magnífico monte de pedras coberto de líquenes que me fez sentir que não foi completamente estéril tão longa e esperada jornada.

11 março 2018

Esquecimentos

As senhoras donas pedras às vezes têm a amabilidade de preparar a cama para as minhas composições. Desta aproveitei a fofa almofada de musgo.

Os apêndices superiores do ensemble fúngico são um rebento precoce de já não sei que planta trazida de já não sei que lugar. É o que dá publicar fotografias feitas há mais de 2 meses. Se tiverem paciência, desculpar-me-ão a desatenção, se não tiverem, aproveitem e digam-me lá de que planta se trata.

10 março 2018

Abracto ou figurativo?

Quando faço uma composição o que menos me preocupa é se ela vai ser abstracta ou figurativa. Uma composição depende, em primeiríssimo lugar, dos cogumelos e acessórios disponíveis; em segundo lugar, dos fundos. Se o arranjo final lembra alguma coisa do mundo, é por acaso; se parece coisa verosímil, também é fortuito; se não se vislumbra parecença com nada do mundo real ou imaginário, também foi porque calhou, ou para seguir os apetites da hora.

Nesta que hoje segue, queria tirar partidos do viço dos líquenes das fragas do Alvão e isso não é só «deita para lá», porque podem ficar demasiado cobertos ou demasiado expostos.

Ocorreu-me publicar hoje esta, porque logo de manhãzinha pensei no quão vigorosos, frescos, túmidos, esplendorosos devem estar os líquenes, depois da chuva copiosa de ontem. É, portanto, dia para grande proveito dos liquenófilos.

09 março 2018

Que bicho é este?

Como já aqui disse, às vezes, saem-me figuras estranhas que, talvez por processos de pareidolia, tendo a tornar significativas. Nesta composição saiu-me não sei que bicho, talvez algum insecto gigante que existe no meu imaginário de floresta tropical profunda. A figura começou pelo “tronco”, feito com um cogumelo muito grande, aparentemente do género pleurotus. As folhas são de salgueiro, de choupo e de ginkgo biloba, todas bem repassadinhas pelas brisas do Outono.

08 março 2018

Outra vez as mimosas

Por estes dias, em Trás-os-Montes, as mimosas estão no auge do esplendor, com o veludo dos botõezinhos de uma macieza que parece acariciar o olhar. É pena que flor tão bonita seja produzida por planta tão prejudicial aos ecossistemas e à economia... mas a Madre Natura por vezes tem tiques de madrasta.

Esta composição foi feita numa pedra, mesmo sobre o rio Douro. Um dia destes passo a publicar fotos ou vídeos dos lugares onde componho.

06 março 2018

Pinhas

As pinhas são muito decorativas e lembram o Natal. Estas, de que gosto especialmente, parecem rosas quando ligeiramente abertas. Apanhei-as já sem mais de metade e fi-las protagonistas desta composição em que também entram uns apontamentos de flores a puxar pela Primavera. Os cogumelos eram poucos nesse dia, mas quem mos dera hoje...

04 março 2018

Para variar

O ar bem rugoso e até abrutalhado desta composição serve para variar das fofinhas e disciplinadas e também das simples. Nela procurei criar o efeito de (con)fusão entre conchas e cogumelos.

Foi feita junto da albufeira do Azibo, no pico da seca que descobriu muitos troncos normalmente submersos.

03 março 2018

Outro tronco

Vai um troncozinho recheado para o fim-de-semana?

O tronco lá está, no campus da UTAD, a fornecer nutrientes à vida que se vai instalando nele e à volta dele. Aqui fez de fundo à composição num dia chuvoso como o de hoje. Tanto me espantam como me interrogam estes troncos decadentes, pela utilidade que têm, mesmo quando reduzidos a restos mortais. Creio que haverá poucos seres vivos com fim mais digno do que o das árvores.

02 março 2018

Neve e ice plant

Quis a sorte que a neve me encontrasse munida de cogumelos, ainda que poucos e bastante decadentes.

Como curiosidade linguística, refiro o nome comum em inglês da planta que entra nesta composição: «ice plant». Neste caso o nome pode bem ser tomado à letra...

01 março 2018

Cantharellula umbonata

Esta composição é bastante simples e, na verdade, demorou quase nada a ser feita, mas é preciso dar os devidos créditos à Magna Madre Natura que já tinha a cama preparada com uma bonita coberta de musgo.

Maria Natura nunca conseguirá agradecer suficientemente a parceria com essa senhora que lhe apresenta os materiais “prêt-à-porter”. Só não digo que os oferece, porque, por vezes, é necessário pagar preços altos, o que é justo: suportar frio, vento e solidão; subir, descer, torcer-se toda para colher aquele espécimen nascido em recanto encoberto, inesperado, recôndito, inóspito.

Por acaso, este cogumelo com concha de caracol dentro do chapéu profundamente umbilicado — Cantharellula umbonata — não custou nada a apanhar, estava literal e rigorosamente na beira do meu caminho.