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19 abril 2018

A idade da pedra

Esta composição foi feita sobre o assento de um banco que está no parque florestal da cidade. A julgar pelos líquenes que crescem na madeira, não deve ter muito uso. De facto, não há muita gente que vá ao parque para estar lá, para se sentar, andar pelos caminhos em ritmo de passeio. O Parque Florestal é usado como caminho para a outro lado da cidade ou em modo jogging de passagem para o Parque Corgo. São raríssimos os que vão ler, estudar, namorar, passear os filhos, bebés ou mais crescidos, como já vi noutras cidades, noutros países.

Quando escolhi este lugar para a composição, havia dois adolescentes do sexo masculino por perto. Concentrada na disposição dos elementos, fui despertada por uma rajada de palavrões seguida de apedrejamento do reservatório de água — tina, fonte, bacia? — Tolerei as primeiras pedradas invocando reservas de paciência à estupidez da idade, armazenadas durante vinte anos de docência, mas quando os calhaus aumentaram consideravelmente de tamanho, para, segundo a expressa teoria da palermice prática, matarem os peixes, intervim. Encolheram-se incomodados e dali a menos de um minuto, já afastados, repetiram o fraseado obsceno, atirando-mo como pedras pesadas, enquanto fugiam. Não sei se já tinha sido tão insultada na minha vida, mas naquela atmosfera de agressividade, cheguei a temer que a última pedra fosse para mim.

Apedrejar a água para matar peixes é não só muita tolice; é também malvadez gratuita, pura, perturbante. Oxalá lhes passe com a idade e um dia, ao passarem por ali com um livro, com a namorada, com um filho pequeno, a recordação deste incidente lhes incomode a memória. Porém, o mais certo é não usarem o parque nem para namorar; o mais certo é nunca mais se lembrarem da velha que lhes cortou a cena da pesca paleolítica. E para isso bastará que sigam as pegadas da maioria.

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